A
chegada será sempre o Porto. Dizem que o meio influencia a mensagem. Neste
caso, o meio é o comboio e a mensagem parte da imaginação. A minha é criada
através da observação com pormenor. Caminho por um espaço quase ofegante quando
está presente a multidão matinal. Todos os dias eu vou. É quase uma rotina, um
hábito intrínseco. Entro, ao meu redor ou estão as mesmas pessoas – o mundo
pequeno em que vivemos – ou alguém diferente, que captará a minha atenção. Há
sempre um leitor mergulhado num livro, um leitor fingido vaidoso pelo seu livro
e um não leitor. Também há a mãe que leva o menino à escola, a mãe que vai
trabalhar e a mãe que liga à filha adolescente para lhe relembrar tantas
coisas. Nos dias mais frios, entram raças diferentes. Etnias com cheiros característicos,
cheiros quentes, cheiros que incomodam. Despertam no leitor, no vaidoso, no não-leitor
e na mãe, um repúdio constante. Porém este é o meio mais acolhedor para fazer a
viagem. Não só o mais acolhedor mas o menos penalizador no que toca a custos. O
“pica”, esse, começa a sua jornada do lado contrário do maquinista. Valida até
chegar à primeira porta, a do que nos conduz. Por isso, o idioma desigual e os
trajes pouco comuns situam-se no início do comboio até terem que abandonar, a
correr.
Alguns namorados, poucos casais e solteiros. Os últimos, entram com alguma esperança. A esperança que o meio lhes traga a felicidade. Fitam-se olhares sedutores entre eles. Mesmo o casado olha a solteira com um pouco de inveja.
Entram na próxima paragem os “capitães da areia”. [1]Ansiosos, já pela manhã procuram o conflito, contudo a ressaca leva-os a um estado de sono que piora quando o comboio atravessa por entre os montes. É raro a esta hora conseguirem o que almejam, quando isso acontece todos os passageiros ficam nervosos e não interferem, nem com um olhar soslaio.
Alguns namorados, poucos casais e solteiros. Os últimos, entram com alguma esperança. A esperança que o meio lhes traga a felicidade. Fitam-se olhares sedutores entre eles. Mesmo o casado olha a solteira com um pouco de inveja.
Entram na próxima paragem os “capitães da areia”. [1]Ansiosos, já pela manhã procuram o conflito, contudo a ressaca leva-os a um estado de sono que piora quando o comboio atravessa por entre os montes. É raro a esta hora conseguirem o que almejam, quando isso acontece todos os passageiros ficam nervosos e não interferem, nem com um olhar soslaio.
Ouvem-se
gargalhadas alegres, são os “conhecidos”, aqueles que se encontram todos os
dias à mesma hora e falam da atualidade com um certo humor. Por vezes, os
“futebolísticos” ficam incomodados, mas insistem em comentar o que viram no
jogo de ontem à noite.
Os
amantes da música são os únicos que não se deixam levar por estes discursos,
apenas decoram letras e cantarolam-nas na mente.
Estão quase a bater as nove horas, é o fim da viagem. Aí, há uma pausa. Por entre túneis e rasgos de luz conseguimos ver uma cidade. Reflexos vindos do rio, pontes como que pousadas, um cenário pintado de nostalgia. As casinhas completam as linhas criadas pelos montes, os monumentos acrescentam a cultura. O metro passa na perpendicular, as gaivotas cruzam o céu em diagonal, o frio portuense sopra por debaixo das portas.
Todos olhamos, como não podemos cheirar, os vidros
ressoam, com toda a nossa respiração para lá do comboio. Estão quase a bater as nove horas, é o fim da viagem. Aí, há uma pausa. Por entre túneis e rasgos de luz conseguimos ver uma cidade. Reflexos vindos do rio, pontes como que pousadas, um cenário pintado de nostalgia. As casinhas completam as linhas criadas pelos montes, os monumentos acrescentam a cultura. O metro passa na perpendicular, as gaivotas cruzam o céu em diagonal, o frio portuense sopra por debaixo das portas.
Apaga-se esse instante. A próxima saída é a vida comum. Acabou a viagem.
[1]
“Capitães da Areia” é um livro de Jorge Amado. Os “Capitães da Areia” eram
crianças da Bahia que viviam do furto.