Miguel
Esteves Cardoso, esse cronista talentoso, inspirou-me para trazer até aos meus rascunhos
o Norte; não fizesse eu parte desta “nação”. Não melhor ou pior que todas as
outras regiões, mas decerto, com uma característica singular e inconfundível! E
que característica…
Somos um povo envaidecido, é certo
que por vezes nos tornamos ensurdecedores. Se por um lado os rostos enrugados e
o olhar pesado de uma vida madrasta espelham uma alma triste, por outro lado, a
azáfama e audácia das nossas gentes preenchem as ruas de ânimo e vida. Despimos
a humildade dos pudores de quem é nobre - não o somos tanto assim,
infelizmente. Mantemo-nos crus sem vergonha. Sem preconceito. Usamos expressões
canibalescas para expulsar o que sentimos. E não vemos nisso um pecado. Somos naturalmente
expressivos, desavergonhados e acolhedores. Temos a fervura de uma crença
efusiva de que há saída para tudo. E que fase melhor virá. Mantemos tradições
que, com tremendo orgulho, gostamos de exibir aos que nos visitam. Damos uma
bofetada tão depressa quanto um abraço, porque achamos os apertos de mão uma
coisa para chiques. Gostamos disso. Dessa diferença entre nós e os outros. Podíamos
mandar em todo o mundo. Suar não é algo que nos estranhe. Gostamos de ver
telenovelas e futebol, de cochichar e de dizer que o nosso filho é mais educado
do que o da vizinha. Não é por mal; amamos o que nos pertence, seja um bem
comum ou individual. Mantemos uma autoestima baixa e isso será provavelmente a
nossa maior fragilidade. Somos uma constante contrariedade.
Tudo se grava nos genes destas
gentes, cuja pronúncia e perfume as distinguem em todo o mundo. Não há bravura
como a nossa. Capacidade de desenrasque como a nossa. Humor como o nosso. E chorar,
chorar como o nosso. Quando bate forte essa saudade do que partiu, temos um
lamentar peculiar que, embora provenha de tristeza, mais se assemelha a uma
cantiga. O cantar de um mal para que não se apodere do que nos resta. E depois
temos o paladar das nossas uvas agrestes que nos faz correr mundo. E quanto nós
gostamos que o mundo fale de nós! Também gostamos de falar dele, de dizer que
lá «é que é». É habitual pisarmo-nos um pouco a nós mesmos. Mas se alguém de
fora o fizer, a casa vem abaixo pela certa!
Rute Rita
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