Durante
muito tempo, desejamos vir ter a nosso lado a pessoa dos nossos sonhos. Aquela
cuja beleza encaixa como que na perfeição em todos os nossos ideais e
requisitos. Que nos fará ficar sem fôlego cada vez que a olhamos. Aquela última
peça do puzzle que nos seduz a cada instante, quase sem dar por isso. Quase
espontaneamente e de forma muito natural. Durante muito tempo, desejamos ter a
nosso lado esse prémio por todos os maus amores do passado, essa recompensação
por todas as vezes que outros nos amaram apenas pela metade, e não em um todo.
Desejamos aquela pessoa com sonhos compatíveis com os nossos, se não os mesmos.
Acreditamos que terá uma personalidade também ela compatível. Que nos acompanhe
em todos os cafés da manhã, que nos leve aonde sempre quisemos ir, que se deite
connosco e nos faça esquecer o mundo enfadonho que existe lá fora. Que nos
agarre por entre os lençóis como se o amanhã demorasse a chegar e como se o tempo
fosse algo que pudessemos desperdiçar. Durante muito tempo, sonhamos acerca do
primeiro encontro. Do primeiro beijo. Da primeira vez juntos. E durante outro
tanto tempo, idealizamos que essa pessoa, esse ser celestial que nos caiu nos
braços por desígnio do destino, seja tudo aquilo que sempre quisemos que ela
fosse.
No
entanto, há medida que os anos passam e entramos na vida adulta, deixamo-nos de
todas essas merdas. Hoje sabemos que a pessoa que a pessoa dos nossos sonhos
não existe. Pelo menos, não é essa que sempre idealizamos. A pessoa que ficar
ao nosso lado, não o vai fazer por ter feitios, aspirações ou ideias iguais às
nossas. Vai fazê-lo porque os nossos estilos de vida, embora diferentes, se
compreendem mutuamente e se aliam um ou outro, tirando sempre o melhor dos dois
sentidos. São aliados. Isso sim. A pessoa que ficar ao nosso lado, não o vai fazer
por obra do destino ou do Espírito Santo. Isso não existe. Vai fazê-lo por
quer. Isso sim. Porque poderia perfeitamente tomar mil e um cafés pela manhã
com qualquer outra, mas prefere tomar connosco. Ela não nos vai levar onde
sempre quisemos ir. Na melhor das hipóteses, vamos juntos descobrir sítios que
nunca imaginaríamos que nos preenchessem. O que nos vai seduzir não é com certeza
a sua beleza exterior, mas sim a sua visão do mundo. A forma como se vê a si,
aos outros e a nós, claro. O mais engraçado é que ela não nos vai fazer
esquecer o mundo lá fora. Ao invés, ela vai colocar-nos nessa selva e, sem
saber, vai nos dar ferramentas para enfrentar as grandes feras. Como o medo, o
egoísmo, a saudade. O egoísmo... Nada será bondoso nessa relação. Mas sim
egoísta. Porque a receberemos no seu todo. Peça por peça. E nunca pela metade.
Ela vem toda e vem nua. Livre de enigmas. Os quais saberemos como desvendar.
Não haverá medo do silêncio nem da distância. Porque nos fortalecem, apesar de
tudo. Não haverá medo de que ela nos fuja, por entre os pecados por esse mundo
fora. Porque ela é nossa, de um jeito tão umbilical que ninguém a conseguirá
deter por muito tempo. Está nos seus cromossomas. Está na sina do dia a dia. O
pecado não é algo que nos espreite à janela de quando em vez. Ela é o nosso
pecado. Deitamo-nos com ele e eles dá-nos a tranquilidade – nada celestial – de
que por mais voltas que o planeta dê, ela ficará sempre connosco. Não porque
esteja escrito nas estrelas, mas porque ela quer.
À
medida que os anos passam vou-me apercebendo que as pessoas buscam o oposto do
que devem nas relações. Criam expetativas ilusórias. Jogam-se sem saber muito
bem porquê, como se a vida fosse um circo e alguém detivesse em sua posse, num
recanto bem escondido, a bola da sorte que nos detém. Tudo isso são grandessíssimas
balelas, em que só acreditam as almas pobres. Aquelas que procuram tudo o que
possa haver no outro e se esquecem que a compatibilidade da alma não se procura.
Encontra-se. E isso é matéria que não se explica. Que não se premedita ou
antecipa. Não se adivinha. Não se projeta. Não se sonha. Ela simplesmente
acontece. Se nos pusermos a jeito para a ver. Agora abre os olhos.
Rute Rita Maia, 30 de dezembro de 2014
0 comentários:
Enviar um comentário