"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia."
(E.L. Doctorow
)

"Words - so innocent and powerless as they are, as standing in a dictionary, how potent for good and evil they become in the hands of one who knows how to combine them."
(Nathaniel Hawthorne
)

domingo, 27 de outubro de 2013

“Não é assim tia, é .com”



-Diz a Raquel com 4 anos.
Ela liga o meu portátil que está pousado na mesa e ignora o peluche que está pousado no chão. “Eles agora nascem ensinados”, é o que se ouve dos mais velhos quando tentam levar o seu futuro a passear pelo parque. E que futuro é este? Saborear é para os antigos. Alguns nem comem sem algo com wireless a brilhar ao lado do prato da sopa. Que ligação sem fios é esta dos miúdos à tecnologia? Foram só nos anos 90 que nasceram crianças com vontade de andar de bicicleta? Eu dava voltas ao quarteirão para ganhar à minha prima que conseguia dar sempre mais uma volta que eu. Por incrível que pareça não tínhamos telemóveis e encontrávamo-nos sempre ao sábado às 15 horas em frente ao pátio que ficava ao lado do trabalho das nossas mães. Jogávamos futebol com os rapazes e ainda inventamos um jogo chamado “aventuras” em que tínhamos de saltar muros e escadas mais altas que nós. O objetivo era bater o recorde mas acabávamos por ficar a ver quem é que se aleijava primeiro.
Quando havia um sábado chuvoso íamos para casa dela fazer batidos de chocolate, ou como dizia a minha tia, destruir a cozinha. Era assim … e a única luz que brilhava não vinha de um ecrã, mas sim da lanterna do avô que ligávamos com medo do escuro.
E eu penso: porque é que a Raquel não prefere essa luz ou dar voltas ao quarteirão ou elaborar planos para ir para o outro lado do pátio brincar sem ninguém a ver?
Queria que ela continuasse a saber tudo mas que acabasse por decidir ser criança em vez de me explicar que o site acaba em “.com”.

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