"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia."
(E.L. Doctorow
)

"Words - so innocent and powerless as they are, as standing in a dictionary, how potent for good and evil they become in the hands of one who knows how to combine them."
(Nathaniel Hawthorne
)

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Ser cunhador e ser cunhado

Ser mão-de-obra em Portugal está a tornar-se aborrecido. Como é possível que uma arte milenar esteja agora comprometida?

Meus amigos, fiquei realmente destroçado quando soube que a secular arte das cunhas ficou comprometida, estando, agora, exposta a todos. Irresponsáveis, aqueles que não conseguiram manter confidencial o tráfico de influências numa contratação. É triste que os trabalhadores, empregados e desempregados, não possam dar largas à sua imaginação, seja local de trabalho, no centro de emprego, na casa de banho, no café, ao almoço, ao lanche, ao jantar, na companhia de colegas, amigos, familiares. 

Com esta situação, perde-se aquela mística em redor das contratações encomendadas. Isto é, todos sabemos que elas existem. Todos comentamos quando alguém cujo pai (ou tio, ou padrinho, etc.) tem contactos em certa empresa e arranja trabalho a essa pessoa. E todos criticamos estas atitudes, sabendo que as mesmas se passam à sombra do quotidiano, como uma entrega sob a mesa. E tudo isto dá azo a um recurso constante à imaginação. "Quem será o cunhador? / Será que o novo empregado só está aqui porque foi cunhado?". 

A capacidade em imaginar possíveis favores perde-se ao ver uma cunha oficial. Em vez disso, o que surge é uma sensação de revolta para com o que se passa nesta sociedade, onde os "contactos" são valorizados e as capacidades de um candidato relegadas para segundo plano - ou para plano algum. Torna-se revoltante para muitos portugueses saber que muitas oportunidades de emprego lhes são tiradas para que, em seu lugar, entre o filho de uma figura de peso.

O caso de favorecimento no acesso a um emprego a que assistimos esta semana retira a vontade de imaginar o que se passou. No entanto, aumenta em nós o sentimento de revolta criado pelas dificuldades trazidas pela crise. Este tráfico de influências constante, apesar de não se limitar a terras lusas, dói muito aos portugueses que lutam para sobreviver às dificuldades - ou à própria pobreza.

Fábio André Silva

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