"Writing is a socially acceptable form of schizophrenia."
(E.L. Doctorow
)

"Words - so innocent and powerless as they are, as standing in a dictionary, how potent for good and evil they become in the hands of one who knows how to combine them."
(Nathaniel Hawthorne
)

sábado, 28 de junho de 2014

O Mundial para Portugal ...

... acabou. Pronto, já está.
Ah, querem mais? Se calhar um pouco mais de graça, uma pitada de ironia e quem sabe o dizer de algumas verdades embrulhadas num bonito papel de comicidade como se fosse uma prenda sempre agradável de receber ... pronto, eu não posso ver essas caras de gulosice por escrita de opinião humorística, tenho logo de ceder (mas só porque pediram muito). Vamos lá a isso.


Comecemos com os 23 eleitos. Apesar de muitos dos escolhidos de Paulo Bento se apresentarem com mazelas o "mister" foi fiel à sua filosofia. Para verem como Bento é casmurro chegou ao ponto de pensar que Nani era jogador de futebol e que Meireles era mais do que um sósia do António Variações e levou-os (imaginem) para jogar no Brasil.

No Brasil estagiamos em Campinas, o local que vai ser conhecido como "o sítio onde Portugal treinava para 10 mil pessoas". Campinas trouxe-nos Ronaldo a fazer gelo, Ronaldo a assinar camisolas de fãs, Ronaldo a mandar a Miss Bumbum fora do recinto por se sentir incomodado ... há quem diga que os outros 22 jogadores também lá treinavam, mas nunca vi nenhum noticiário televisivo a fazer referência a isso.

Quanto ao primeiro jogo diz-se que Portugal desiludiu e eu discordo. Portugal cumpriu com as expectativas e perdeu com a Alemanha e a meu ver ainda lucrou com o momento visto que o Hugo Almeida se lesionou (é o que dá tentar mexer-se). Claro que não dá para falar deste jogo sem falar da expulsão do Pepe onde o luso-brasileiro esteve muito mal ... aquilo é agressão que se apresente? Se é para dar uma cabeçada que seja logo para lesionar o adversário, não há cá cafunés com os caracóis que ele tem na cabeça!
Apesar da pesada derrota é óbvio que tínhamos de tirar elações. Rui Patrício mostra que a servir com os pés faz inveja a qualquer médio ofensivo adversário tais são os passes soberbos para a equipa do outro lado e João Pereira foi o espelho de uma nação: dá porrada e diz asneiras tal como muitos taberneiros que viam o jogo pela televisão. Certamente neste caso Paulo Bento advertiu-o e pediu-lhe para dizer menos asneiras.


No segundo jogo com os EUA aprendemos a não gostar de um local brasileiro: Manaus. Encontramos uma desculpa para tudo que correu mal em Manaus, onde fazia um calor tremendo, mas que parece só afectou Portugal (o calor brasileiro é mesmo tramado, é mesmo imparcial).
Sem Rui Patrício, Coentrão, Pepe e Hugo Almeida, eis que entraram Beto, Ricardo Costa, André Almeida e Postiga. Todos eles tinham papéis importantes a cumprir, principalmente Postiga que nesse jogo era tratador de relva e após 10 minutos dentro de campo a inspeccionar decidiu sair lesionado para ir fazer o relatório (esperem, vão dizer-me que ele entrou em campo para jogar não?).
Este jogo foi a prova que o Mundial pode ser algo surreal. Porquê? Nani e Varela marcaram por Portugal. Se dúvidas houvessem que era possível saltar de alegria e ao mesmo tempo cepticismo (por não acreditarmos que tal fenómeno seria possível) contra os EUA tivemos uma prova que neste Mundial tudo pode acontecer. Acabamos por empatar o jogo que devíamos ter ganho e como sempre veio o "bónus" com a lesão de André Almeida que (diz-se) devido à sua polivalência até chegou a ser canalizador quando a torneira da casa de banho do quarto dele estava sempre a pingar ... ainda assim nesse caso também comprometeu na marcação.


Entramos para o jogo com o Gana a fazer contas e a depender de terceiros (mesmo à português) e, com tantas lesões, com a expectativa de com jeitinho Paulo Bento pôr Eduardo a central ... felizmente não o fez. Os ganeses (já devidamente pagos) até ajudaram e marcaram na própria baliza para nos dar balanço, mas quem tem Éder também não pode esperar aquilo que decide jogos ... ai como é que chama ... golos, é isso. Com tanta cerimónia o Gana lá acertou com a baliza certa e condenou-nos. Mas eis que tudo pára quando Cristiano Ronaldo marca, fazendo o 2-1 para ganharmos ... a apoteose que tomou conta de Paulo Bento após esse golo explica tudo.


E no fim desse jogo acabou o Mundial para nós, equipa que nem sequer estreou o segundo equipamento que tinha. Ainda assim há motivos de orgulho:
- A nível de lesões musculares fomos os melhores do Mundial;
- Tendo em conta a prestação capilar de alguns atletas estivemos em grande forma no Brasil;
- Depois deste Mundial dá-mos esperanças a todos os jogadores portugueses: qualquer jogador que se lesione é muito provável que vá representar a Selecção ainda que esteja a recuperar;
- A preparação foi "fantástica" e certa para as condições que íamos enfrentar. Jogar futebol não jogamos, mas pronto, há sempre pormenores que falham.


Antes de terminar queria felicitar o Rafa que foi visitar o Brasil sem qualquer custo e de certeza regressa com camisolas, fotos e folhas cheias de autógrafos dos seus colegas e ainda pedir à FPF que pague o prémio de participação do Mundial ao Miguel Veloso em pastéis de nata, o rapaz deve estar com quilos a menos depois de tentar (e friso o tentar) fazer tanto sprint.


PS: Espero sinceramente que nenhum jogador se lesione a sair do avião, ou a pegar na mala, ou a falar, ou a pensar ... e que não se esqueçam do Moutinho no compartimento de bagagem de mão.



Parágrafo mais a sério: Ver Beto chorar foi provavelmente o momento que todos os portugueses mais gostaram deste Mundial. Ali estava alguém (a meu ver sem culpas no cartório) a sofrer com dores mas recusando-se a sair, a abandonar os seus. Ali vi a verdadeira alma portuguesa, alguém que luta até ao fim.  Mesmo revoltado perguntando "Porque me tiraram?" não teve vergonha e chorou por saber que o final não era o desejado. A minha vénia vai para ele e espero que nos próximos compromissos internacionais se olhe mais por quem dá tudo pela camisola e não só para aqueles mais fáceis de domar.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Praxe


A Praxe é injusta... Enchemos mesmo não querendo. Suamos. Passamos a mão pela testa. Limpamos o suor. Daí a nada o cenário repete-se. Uma e outra vez. Rebolamos na terra, na relva molhada, onde calhar. Tingimos a roupa e sabemos que aqueles jeans, que porra, eram tão confortáveis, tão velhinhos e cheios de estilo, não usaremos nunca mais. A Praxe rouba-nos tempo. Rouba-nos energias. E isso chateia. Incomoda. Pior do que uma velha que nunca se cala, a quem fazemos de ouvidos moucos. Então, é isso, a Praxe é injusta. Falam-nos alto. Fazem-nos gritar mais alto ainda. Até que a voz doa. Até que a garganta seque.
Não me pode deixar de revoltar que as massas, essas gentes dos jornais nacionais, dos cafés, dos transportes públicos, falem da Praxe sem saber sequer por que linhas ela se cose. Sei saber o que por lá se passa. Contando histórias que apenas alimentam a imaginação de quem não teve a coragem de ir lá provar. Mas revolta-me ainda mais que tal aconteça, diante dos nossos olhos e ouvidos, enquanto nós, aqueles que provaram das suas agruras, dos seus dissabores, pouco ou nada fazemos para que o cenário se altere. Como é possível que uma tradição académica tão portuguesa e tão antiga viva ainda nas ruas da amargura, qual reputação manchada qual quê? Como podemos ser, ainda, incompetentes o suficiente para não ter elevado a imagem da Praxe junto das “massas”, aproximá-las das pessoas, mostrando que ela é tudo menos um bicho papão?
Não, a Praxe não é uma bicho papão. Nem um ser selvagem sequer. A Praxe é injusta. Porque nos tira muita coisa, mas nos dá ainda mais. É injusta, sim, para com ela própria. Pois nem tão pouco sabemos retribuir com umas palavras de apreço junto da sociedade. Porque nunca nos demos ao trabalho de explicar que o que lá se passa nada mais é do que a mais verdadeira lição de vida. Porque na Praxe não há preconceitos. Nem descriminação. Na sociedade há. Na Praxe há amor. Amor pela unidade, por um curso, pela partilha. Há orgulho. Uma força de vontade que nos corre nas veias e não nos faz desistir. Doa o que doer. Porque a vida, muitas vezes, dói. Mas não é por isso que deixamos de a viver.
Não, a Praxe não faz de nós melhores doutores, engenheiros, arquitetos. Mas não tenho a menor dúvida de que nos faz mais humanos, mais fortes e mais solidários. Mais atentos ao outro e não tanto aos nossos egos. Era isto que tinha para dizer. É tudo.
Rute Rita Maia, junho de 2014